domingo, 27 de março de 2011

Desenhar o espaço onde se vive

Dei-me agora conta que não ouvi hoje o programa da TSF, “Encontros com o Património” que hoje era sobre "O Património Moderno e o arquitecto Nuno Teotónio Pereira". Tinha intenção de ouvir pois, mesmo não tendo os conhecimentos necessários para apreciar, na plenitude, as obras arquitectónicas que desenhou, há muito tempo que o admiro, quer como arquitecto, quer como cidadão que sempre defendeu os seus ideais de liberdade.
Quis o acaso que, no ano em que comecei a trabalhar, tenha estado num grupo de trabalho que acompanhou o pré e o pós realojamento de famílias, até ali residentes em bairros degradados, num conjunto habitacional projectado pelos arquitectos Nuno Teotónio Pereira e Pedro Botelho. Para além das reuniões com os técnicos, para as quais estavam sempre disponíveis, recordo sobretudo o prazer com que, em assembleias muito participadas, com centenas de pessoas, nos barracões do refeitório da obra, sobretudo o primeiro, explicava aos futuros moradores porque tinha desenhado o bairro e as casas assim e não de outra maneira, porque tinha escolhido aqueles materiais e não outros. Mas era sobretudo a atenção com que ouvia os futuros utilizadores daquelas casas, dos espaços que tinha criado, que me fascinava. Aquelas pessoas que lhe colocavam as questões mais óbvias ou as mais estranhas mereciam-lhe sempre uma reflexão e uma resposta clara.
Provavelmente os que participavam nessas reuniões não se apercebiam do privilégio de ter alguém como o Arqto. Teotónio Pereira ali à mão, pronto a responder-lhes a todas as questões, com a humildade de quem só sabe mais algumas coisas sobre o assunto.
Foi a ele que ouvi uma frase que ainda hoje por vezes cito e que dizia, mais ou menos assim: o principal problema dos arquitectos são as pessoas. Significa ela que ao projectarem determinado edifício, mesmo que se trate de uma encomenda para alguém em particular, a obra pode ficar perfeita, mas deixará de o ser quando for habitada, quando o uso deturpar a harmonia inicial do conjunto, introduzindo imperfeições mais ou menos relevantes. E no entanto é a vivência de um espaço que lhe confere o valor maior, mais significativo, que lhe atribui a sua alma. Nuno Teotónio Pereira sabe disso. Por isso o respeito. Por isso o devemos respeitar.

2 comentários:

  1. Numa sociedade cada vez mais tecnocrática, o "problema" de qualquer profissão são sempre as pessoas. A especialização, e a tecnicidade que ela comporta, frequentemente criam fossos que, no limite, levam à aberração. Centramo-nos na criação/produção e no acto de criar/produzir, esquecendo as razões de ser desse fazer (seja ele inovador ou aplicação de um receituário).
    Por isso a formação humanista e filosófica, a abrangência, deveria estar sempre presente, em qualquer área, mesmo nas aparentemente (e só aparentemente) são mais técnicas.
    Infelizmente, nas situações de crise, as humanidades são quase sempre olhadas, pela tecnocracia dominante, como "despesas" supérfulas, entretengas de cigarra, filosofices próprias dos tempos de "vacas gordas".
    Pessoas com olhar e entendimento abrangente são, nestes tempos, uma preciosidade.

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  2. Tens toda a razão. E há, de facto, algumas profissões (arquitecto, nem será tanto) em que o fosso entre as capacidades técnicas e as ditas humanas é enorme. Mas não tem que ser assim e felizmente todos conhecemos pessoas que nos mostram que é possível "acumular" os dois modos de olhar para as coisas.

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